Segue o conto.
NOTÍCIAS
Era
um casal aparentemente feliz. Observando os dois, me identifiquei com a moça.
Mas para não bancar o conquistador de mulheres acompanhadas, tratei de desviar
meu olhar e focá-los no “humilde”, para não dizer farto, cardápio do novo
restaurante da cidade.
Assim como eu, os dois tinham
acabado de chegar ao local e também estavam admirados com a decoração e
iluminação do lugar. Olhei mais uma vez para a mulher, de idade mediana, entre
30 e 35 anos, não muito atraente, mas “cheia dos enfeites” como dizia minha mãe
(que Deus a tenha!). Estava acompanhada, como já disse anteriormente, por um
homem apresentável, aparentemente rico e que usava um bigode bizarro.
Esquivei o olhar novamente para o
menu e pedi um Filet au poivre (filé
mignon ao molho de pimenta) e um vinho tinto de 1826. Tentei observar as
pessoas ao meu redor, mas a imagem da mulher que estava com o homem de bigode
não saía da minha cabeça e somente por um motivo: eu a conhecia de algum lugar.
Talvez eu a conheça da rua onde
morava quando era criança, onde várias famílias compartilhavam suas alegrias,
vitórias, batalhas e tristezas com os vizinhos. Lembro também que minha mãe era
a conselheira oficial da rua, na minha infância querida. A minha infância, que não volta mais. Não,
não poderia ser; eu me lembro de todos os amigos que fiz e que brincavam comigo
quando era ainda um mero moleque (quem lê assim pensa que hoje sou alguma
coisa. Ai, ai...).
É provável que eu a conheça da Faculdade de
Farmácia, onde fiz dois períodos, pois eram obrigatórios para trancar o curso,
com o qual não me identifiquei. Mas também não porque eu recordava de cada
aluno da nossa turma. Afinal, só éramos sete. Lembro-me até mesmo dos nomes de
cada um: Silvana, Graça, Jussara, Lucilene, Eu, Henrique e Ricardo. Aquela
mulher não era nenhuma das meninas e com certeza não era Ricardo ou Henrique.
Quem sabe eu a conheça da minha
juventude. Depois de ter trancado, leia-se abandonado, o curso de Farmácia,
lembro que ingressei num grupo de amigos. Claro! Ela era da minha juventude! O
meu grupo de amigos tão próximos e tão confusos com o futuro. Outra época que
não vai voltar. Estou impressionado com a minha melancolia. Como poderia ter
esquecido? Aquela era a Lili! Lembro-me bem que era a chata do grupo, sempre
resmungona, sem planos pro futuro, sem paixões, sem desejos. Só tinha a nós,
que apesar de tudo, a amávamos.
Ah... As lembranças me traziam
alegria por tê-las vivido e tristeza por não poder vivenciá-las outra vez. Cada
loucura, cada aventura, tanta coisa vivemos juntos! Que bom reencontrar alguém
da nossa turma! Todos aqueles fins de tarde, quando o sol já estava se pondo...
Conversávamos sobre como tinha sido o dia de cada um, os problemas que
enfrentávamos na nossa vida de pessoas “responsáveis”. Discutíamos às vezes até
mesmo aqueles assuntos que na época eram considerados tabus, como sexo,
política, futebol, religião e muitos outros.
Voltando à mulher acompanhada e
reconhecida por mim como Lili, amiga de juventude, eu tinha de ir falar com
ela! Depois de ter passado uma temporada nos Estados Unidos, resolvi voltar
para a terra onde passei os melhores dias da minha vida, quando era um jovem
rapaz ainda com muita disposição e participava do melhor grupo de amigos já
existente na cidade.
Estava sedento por novidade daqueles
queridas pessoas que marcaram minha vida, e com certeza Lili poderia resolver
esse ‘probleminha’ pra mim. Sim, eu sou quem você está pensando. Sou João,
aquele que era apaixonado por Teresa. Quero saber notícias dela, de Raimundo,
Maria, Joaquim, será que já casaram? Já têm filhos? Conseguiram realizar seus
sonhos? Para saber de tudo, tenho que ir falar com Lili. Mas, como chegar num
mesa e falar com uma mulher acompanhada? Aposto que o bigodudo é marido dela.
Meu Deus! Até Lili arranjou alguém e eu não. Agora que eu não vou lá mesmo.
Não... Eu tenho que ir, por amor aos meus velhos amigos e às notícias que quero
deles.
- Boa noite?! (Bem, depois de discutir comigo mesmo durante
alguns minutos, acabei cedendo aos meus próprios argumentos).
- Boa noite. – só o bigodudo
respondeu.
- Com a sua licença cavalheiro,
permite que eu conversa com a senhorita que está sentada ao seu lado?
- Sim, claro. Mas primeiro diga-nos
quem és.
- Sou um velho amigo da sua
companheira, que até agora não me reconheceu, mas se eu lhe falar que a chamava
de Lili, com certeza irá lembrar de mim. – Lili deixou de fazer aquele olhar de
desdém que aos poucos foi transformado em curiosidade. Fiquei receoso de estar
ali, mas então continuei: Sou João, o que amava Tereza, lembras de mim?
- João...? João Cláudio Damasceno
Santos? – fiz ‘sim’ com a cabeça. Então, o sorriso encantador e envolvente da
Lili formou-se em seu rosto - Claro que
lembro de você! Sente-se conosco, por favor. Como pude esquecer? Mas diga –me
como vai? Quando voltaste? Já tens uma família?
Lili estava mudada, mais
comunicativa e sempre com um vasto riso durante nossa conversa. Não sei se pelo
fato de reencontrar um amigo de juventude ou por estar acompanhada de um rapaz
jovem, bigodudo e rico, que até o exato momento eu não sabia o que eram um do
outro .
- Estou muito bem, obrigado. Tu
soubeste que passei um inverno no exterior? Pois é, apareceu uma oportunidade
maravilhosa de emprego por lá, como era jovem e sem muita coisa na cabeça,
acabei indo, cheguei faz poucos dias. Mas assumo: sinto falta da neve, da
língua, dos costumes, mas nada melhor do que voltar pra terra natal, concordas?
- É verdade, fico feliz por ter você
de volta, João. Respondeste duas das minhas perguntas, mas vou repetir a
última: e a família?
-
Oh, Lili! Não tenho família, meus pais faleceram antes mesmo de eu partir, e
definitivamente a mulher da minha vida não é norte-americana. Mas já você...
Vejo que estás acompanhada, poderia ter a honra de conhecer este vistoso rapaz?
- Me
desculpe, claro que sim. João, este é J. Pinto Fernandes, empresário que veio
implantar uma indústria têxtil na nossa cidade. Ele é de Minas, faz uns dez
meses que chegou. Agora, a notícia maior: estamos noivos!
-
Prazer, Fernandes. Nossa, que maravilha, Lili! Meu rapaz, vou lhe dizer duas
coisas: tenha cuidado com essa garota, pois ela é especial pra muita gente e, a
segunda: você é um homem de sorte. – J. Pinto Fernandes me parecia ‘boa pinta’,
simpático, rico e com certeza faria a minha velha amiga feliz. – Mas digam-me,
quando será o casório?
-
Ainda vai demorar um pouco. J. Pinto vai ter que passar uns meses em Minas para
resolver algumas coisas pendentes na empresa. Quando ele voltar, certamente nos
casaremos.
Chega
de falar da vida feliz e bem sucedida de Lili. Queria mesmo era saber dos meus
amigos, por onde eles andam. Quem sabe eles já possuam uma família e eu tenha
vários sobrinhos por aí.
-
Desejo sorte a vocês, de coração. Mas, Lili, mudando de assunto, cadê o
restante da nossa turma? Joaquim, meu amigo de colegial, comunicativo e
garanhão, onde ele anda? Raimundo, com aquela gargalhada maravilhosa de se
ouvir, de que estará rindo nesses tempos? E Maria? Sei que ainda conta
histórias inimagináveis, mas certamente agora tem um público diferente. Onde
está o meu amor de juventude? – Enquanto eu viajava nas minhas lindas
suposições, Lili me olhava atenta, diferente de quando começamos a conversar.
- Bem,
João, talvez tu não gostes de ouvir essas notícias, mas já que tocaste no
assunto, vamos direto ao ponto. – Confesso que fiquei temeroso com as notícias
que estavam por vir. Até me deu certo arrependimento de ter imaginado tanto,
mas deixei-a prosseguir. – Tudo foi muito diferente do que cada um planejava.
Lembras das metas pro futuro? Nenhum de nós conseguiu atingir o alvo das nossas
vidas. Raimundo não foi bem sucedido em nenhum emprego, acabou como jardineiro
da cidade, até um bêbado irresponsável atropelar nosso amigo. Maria, a
confidente e conselheira de todos, envolveu-se com um rapaz que tinha problemas
com drogas e bebidas. Um dia, foi violentada pelo namorado e acabou criando um
trauma com todos os homens. Resumindo, ficou pra tia. Joaquim pretendia se
formar em Engenharia Civil, mas não aguentou a pressão dos cálculos
intermináveis na faculdade e acabou tirando sua própria vida. Tu foste pros
Estados Unidos e como não pretendias voltar tão cedo, Tereza, arrependida por
não ter te dado bola, decidiu ir para o convento. E eu, estou aqui a conversar
contigo. – Aquilo me assustou de uma forma inexplicável.
J.
Pinto Fernandes tinha se retirado da mesa e nos deixado a sós. Olhei fixamente
nos olhos de Lili tentando decifrar se aquilo era mesmo tudo verdade. Ainda
tinha receio no meu coração de acreditar em todas as palavras que Lili tinha
dito. Mas era verdade. Lili nunca mentira pra mim, não seria agora sua primeira
vez.
-
Confesso, Lili, que estou chocado com tantas notícias não muito agradáveis ao
meu coração, mas agradeço por ter me ajudado. Ah! Repito: estou feliz por você.
– Nesse momento, percebi que o pedido chegara a minha mesa. Tive que me
retirar, enquanto J. Pinto Fernandes retornava à mesa. – Foi uma alegria te
reencontrar, querida amiga. Fernandes, meu caro, cuide bem dessa moça. Foi um
prazer. Espero encontrá-los por aí, casados.
Aquele
Filet au poivre foi o pior que já
comi na minha vida, não pela qualidade do novo restaurante ou pelo gosto do
prato, e sim pela situação que passara minutos antes. Na última garfada, pensei
comigo mesmo: “João, você tem que continuar a viver”, e foi isso que fiz.
Pedi a conta, paguei e saí do restaurante. Não
sei se devo acreditar em tudo que aconteceu entre eu e Lili naqueles trinta
minutos de conversa, mas mesmo nenhum de nós tendo conquistado os respectivos
sonhos, uma coisa é certa: lembrarei sempre com carinho dos meus queridos
amigos de juventude.Ps.: Ainda não revisei esse texto à luz da nova ortografia, desde já, perdão. :)
Espero que tenham gostado,
Beijos, Bela Analu
Narrativas em 3d?! Inovação é isso.. À tempos não leio uma narrativa tão boa que me permitisse visualizar os personagens em suas respectivas ações. Identifiquei-me ligeiramente com o texto, contudo espero um final diferente na minha breve narrativa.. Esse é um belo texto, mesmo 2 anos após sua concepção, não perdeu a cor; Isso que é o charme da literatura, a perpetuação das belas palavras. Ana, Felicitações.
ResponderExcluirdfsFSFDSF
ResponderExcluirÉ como se eu estivesse naquele restaurante numa outra mesa qualquer. Adorei.
ResponderExcluirAdorei esse texto. Gosto tanto que o compartilhei em um encontro de mediadores de leitura que participei. Aliás, me saí muito bem na foto. Todos apreciaram a releitura. Parabéns!
ResponderExcluirRosana Pereira