quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Minha camiseta velha

Que estranho a sensação de acordar sozinho em um quarto de hotel. Nunca gostei de estar sozinho em um lugar que não considerava seguro pra mim. Quarto de hotel é um exemplo. Pensa comigo, um quarto onde outras pessoas já passaram, todas sem muita preocupação que marca estavam deixando ali, onde também outras pessoas têm acesso e podem entrar (pela porta da frente, com chave na mão e tudo mais) e fazer coisas terríveis com você. Talvez a influência hollywoodiana tenha ido longe demais comigo. Ou esteja pensando demais, além da conta, de novo. Nunca me senti tão otário.
Os meus pensamentos assim que eu acordo são, incrivelmente mais rápidos do que o restante do dia. Logo lembrei de você. Lembrei o motivo de estar acordando sozinho em um quarto de hotel. Não desci pra tomar café da manhã, liguei e perguntei se podiam vir deixar pra mim, uma taxa simbólica de trinta reais seria cobrada pois o horário do café já tinha encerrado, claro que eu desisti. Depois de cair de novo no sono, com muita luta levantei e verifiquei o frigobar. Que sorte a minha, trinta reais seriam gastos de maneira diferente. Era meio dia e eu estava bêbado.
Vi outro dia aquele cara que você conhece do seu trabalho. Frederico, Fred ou algo assim. Ele vestia uma camiseta muito parecida com uma que eu tinha do Batman. Por motivos que eu não queria ter, nos cumprimentamos, mesmo que a gente só tenha se visto naquela festa da firma de confraternização em que eu quase pedi sua mão em casamento. Ele, educado e gentil me perguntou como andava meu emprego na agência e eu nem sabia que ele tinha tantas informações minhas assim. Estranhei, mas respondi. Não resisti e perguntei por você, ele, com um sorriso no rosto, me disse que você está "muito bem". Nos despedimos e não pude deixar de notar a manchinha de água sanitária atrás da camiseta, e que você tinha roubado ela de mim, por parecer demais comigo. Estava escrito nos olhos dele o prazer de falar comigo. Você, aquela camiseta e outras muitas coisas já tinham sido minhas. Passado.
Já experimentou ficar bêbado com sua própria companhia e sem mais ninguém? Que situação! Os picos de animação, dança, conversas bobas e gritaria que acontecem em grupo se transformam em pensamentos exagerados sobre específicos assuntos que não saem de jeito nenhum da sua cabeça. Muito do que a gente viveu juntos voltou para a minha mente com uma grande força, uma martelada de consciência de "olha como você estragou tudo, cara". E o meu subconsciente me fez muitas perguntas e cobranças.
Porque você nunca falava nada quando queria falar tudo? Conseguia ver no teu olhar a tua tristeza e insatisfação comigo sendo um super idiota, mas eu precisava que você falasse. Eu sinto tanto por tudo o que te fiz sofrer, quando eu injustamente falava que era só paranóia. Mas já é tarde demais pra isso. Sinto saudades de tudo, até das ligações que me fazia só pra eu ouvir como tinha sido seu dia.
Talvez, quem sabe você um dia me ligue pra dizer que também sente muito. Admiro que você mesma disse que não nos falaríamos mais.
Aquele quarto solitário de hotel que antes me assustava, era agora um abrigo, quase tão quentinho quanto um útero para o feto, ou o ovo cozido dentro de um caldo de carne. Percebi ali que mesmo que eu quase chamasse minha nova garota pelo seu nome, que sentia saudade de cada momento dos nossos melhores dias juntos, eu e você não seríamos mais nada, que nossa época já passou e que deveríamos (leia-se "eu") seguir em frente.
Ana Lourdes
23 de Maio de 2019
Ps da autora: ouça Harry Styles

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