segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Notícias

Esse texto vai diretamente para todos os fãs do grande escritor Carlos Drummond de Andrade! Em 2010, participei de um concurso (nível nacional) de produção textual realizado pela Fundação Assis Chateubriand, que nos propunha a escrever um conto sobre CDA, sua vida e carreira ou uma intertextualidade. O conto tinha que ter no mínimo duas laudas. Lembro que foi um professor amigo que me propôs a esse desafio. Para compor o texto, tive que ler muito sobre o autor, suas principais poesias e contos. A principal referência para escrever o meu conto abaixo foi a poesia Quadrilha, quem não leu, leia (se não, não vai entender nada)!

Segue o conto.


NOTÍCIAS
Era um casal aparentemente feliz. Observando os dois, me identifiquei com a moça. Mas para não bancar o conquistador de mulheres acompanhadas, tratei de desviar meu olhar e focá-los no “humilde”, para não dizer farto, cardápio do novo restaurante da cidade.
            Assim como eu, os dois tinham acabado de chegar ao local e também estavam admirados com a decoração e iluminação do lugar. Olhei mais uma vez para a mulher, de idade mediana, entre 30 e 35 anos, não muito atraente, mas “cheia dos enfeites” como dizia minha mãe (que Deus a tenha!). Estava acompanhada, como já disse anteriormente, por um homem apresentável, aparentemente rico e que usava um bigode bizarro.
            Esquivei o olhar novamente para o menu e pedi um Filet au poivre (filé mignon ao molho de pimenta) e um vinho tinto de 1826. Tentei observar as pessoas ao meu redor, mas a imagem da mulher que estava com o homem de bigode não saía da minha cabeça e somente por um motivo: eu a conhecia de algum lugar.
            Talvez eu a conheça da rua onde morava quando era criança, onde várias famílias compartilhavam suas alegrias, vitórias, batalhas e tristezas com os vizinhos. Lembro também que minha mãe era a conselheira oficial da rua, na minha infância querida.  A minha infância, que não volta mais. Não, não poderia ser; eu me lembro de todos os amigos que fiz e que brincavam comigo quando era ainda um mero moleque (quem lê assim pensa que hoje sou alguma coisa. Ai, ai...).
                É provável que eu a conheça da Faculdade de Farmácia, onde fiz dois períodos, pois eram obrigatórios para trancar o curso, com o qual não me identifiquei. Mas também não porque eu recordava de cada aluno da nossa turma. Afinal, só éramos sete. Lembro-me até mesmo dos nomes de cada um: Silvana, Graça, Jussara, Lucilene, Eu, Henrique e Ricardo. Aquela mulher não era nenhuma das meninas e com certeza não era Ricardo ou Henrique.
            Quem sabe eu a conheça da minha juventude. Depois de ter trancado, leia-se abandonado, o curso de Farmácia, lembro que ingressei num grupo de amigos. Claro! Ela era da minha juventude! O meu grupo de amigos tão próximos e tão confusos com o futuro. Outra época que não vai voltar. Estou impressionado com a minha melancolia. Como poderia ter esquecido? Aquela era a Lili! Lembro-me bem que era a chata do grupo, sempre resmungona, sem planos pro futuro, sem paixões, sem desejos. Só tinha a nós, que apesar de tudo, a amávamos.
            Ah... As lembranças me traziam alegria por tê-las vivido e tristeza por não poder vivenciá-las outra vez. Cada loucura, cada aventura, tanta coisa vivemos juntos! Que bom reencontrar alguém da nossa turma! Todos aqueles fins de tarde, quando o sol já estava se pondo... Conversávamos sobre como tinha sido o dia de cada um, os problemas que enfrentávamos na nossa vida de pessoas “responsáveis”. Discutíamos às vezes até mesmo aqueles assuntos que na época eram considerados tabus, como sexo, política, futebol, religião e muitos outros.
            Voltando à mulher acompanhada e reconhecida por mim como Lili, amiga de juventude, eu tinha de ir falar com ela! Depois de ter passado uma temporada nos Estados Unidos, resolvi voltar para a terra onde passei os melhores dias da minha vida, quando era um jovem rapaz ainda com muita disposição e participava do melhor grupo de amigos já existente na cidade.
            Estava sedento por novidade daqueles queridas pessoas que marcaram minha vida, e com certeza Lili poderia resolver esse ‘probleminha’ pra mim. Sim, eu sou quem você está pensando. Sou João, aquele que era apaixonado por Teresa. Quero saber notícias dela, de Raimundo, Maria, Joaquim, será que já casaram? Já têm filhos? Conseguiram realizar seus sonhos? Para saber de tudo, tenho que ir falar com Lili. Mas, como chegar num mesa e falar com uma mulher acompanhada? Aposto que o bigodudo é marido dela. Meu Deus! Até Lili arranjou alguém e eu não. Agora que eu não vou lá mesmo. Não... Eu tenho que ir, por amor aos meus velhos amigos e às notícias que quero deles.
            - Boa noite?!  (Bem, depois de discutir comigo mesmo durante alguns minutos, acabei cedendo aos meus próprios argumentos).
            - Boa noite. – só o bigodudo respondeu.
            - Com a sua licença cavalheiro, permite que eu conversa com a senhorita que está sentada ao seu lado?
            - Sim, claro. Mas primeiro diga-nos quem és.
            - Sou um velho amigo da sua companheira, que até agora não me reconheceu, mas se eu lhe falar que a chamava de Lili, com certeza irá lembrar de mim. – Lili deixou de fazer aquele olhar de desdém que aos poucos foi transformado em curiosidade. Fiquei receoso de estar ali, mas então continuei: Sou João, o que amava Tereza, lembras de mim?
            - João...? João Cláudio Damasceno Santos? – fiz ‘sim’ com a cabeça. Então, o sorriso encantador e envolvente da Lili formou-se em seu rosto -  Claro que lembro de você! Sente-se conosco, por favor. Como pude esquecer? Mas diga –me como vai? Quando voltaste? Já tens uma família?
            Lili estava mudada, mais comunicativa e sempre com um vasto riso durante nossa conversa. Não sei se pelo fato de reencontrar um amigo de juventude ou por estar acompanhada de um rapaz jovem, bigodudo e rico, que até o exato momento eu não sabia o que eram um do outro .
            - Estou muito bem, obrigado. Tu soubeste que passei um inverno no exterior? Pois é, apareceu uma oportunidade maravilhosa de emprego por lá, como era jovem e sem muita coisa na cabeça, acabei indo, cheguei faz poucos dias. Mas assumo: sinto falta da neve, da língua, dos costumes, mas nada melhor do que voltar pra terra natal, concordas?
            - É verdade, fico feliz por ter você de volta, João. Respondeste duas das minhas perguntas, mas vou repetir a última: e a família?
- Oh, Lili! Não tenho família, meus pais faleceram antes mesmo de eu partir, e definitivamente a mulher da minha vida não é norte-americana. Mas já você... Vejo que estás acompanhada, poderia ter a honra de conhecer este vistoso rapaz?
- Me desculpe, claro que sim. João, este é J. Pinto Fernandes, empresário que veio implantar uma indústria têxtil na nossa cidade. Ele é de Minas, faz uns dez meses que chegou. Agora, a notícia maior: estamos noivos!
- Prazer, Fernandes. Nossa, que maravilha, Lili! Meu rapaz, vou lhe dizer duas coisas: tenha cuidado com essa garota, pois ela é especial pra muita gente e, a segunda: você é um homem de sorte. – J. Pinto Fernandes me parecia ‘boa pinta’, simpático, rico e com certeza faria a minha velha amiga feliz. – Mas digam-me, quando será o casório?
- Ainda vai demorar um pouco. J. Pinto vai ter que passar uns meses em Minas para resolver algumas coisas pendentes na empresa. Quando ele voltar, certamente nos casaremos.
Chega de falar da vida feliz e bem sucedida de Lili. Queria mesmo era saber dos meus amigos, por onde eles andam. Quem sabe eles já possuam uma família e eu tenha vários sobrinhos por aí.
- Desejo sorte a vocês, de coração. Mas, Lili, mudando de assunto, cadê o restante da nossa turma? Joaquim, meu amigo de colegial, comunicativo e garanhão, onde ele anda? Raimundo, com aquela gargalhada maravilhosa de se ouvir, de que estará rindo nesses tempos? E Maria? Sei que ainda conta histórias inimagináveis, mas certamente agora tem um público diferente. Onde está o meu amor de juventude? – Enquanto eu viajava nas minhas lindas suposições, Lili me olhava atenta, diferente de quando começamos a conversar.
- Bem, João, talvez tu não gostes de ouvir essas notícias, mas já que tocaste no assunto, vamos direto ao ponto. – Confesso que fiquei temeroso com as notícias que estavam por vir. Até me deu certo arrependimento de ter imaginado tanto, mas deixei-a prosseguir. – Tudo foi muito diferente do que cada um planejava. Lembras das metas pro futuro? Nenhum de nós conseguiu atingir o alvo das nossas vidas. Raimundo não foi bem sucedido em nenhum emprego, acabou como jardineiro da cidade, até um bêbado irresponsável atropelar nosso amigo. Maria, a confidente e conselheira de todos, envolveu-se com um rapaz que tinha problemas com drogas e bebidas. Um dia, foi violentada pelo namorado e acabou criando um trauma com todos os homens. Resumindo, ficou pra tia. Joaquim pretendia se formar em Engenharia Civil, mas não aguentou a pressão dos cálculos intermináveis na faculdade e acabou tirando sua própria vida. Tu foste pros Estados Unidos e como não pretendias voltar tão cedo, Tereza, arrependida por não ter te dado bola, decidiu ir para o convento. E eu, estou aqui a conversar contigo. – Aquilo me assustou de uma forma inexplicável.
J. Pinto Fernandes tinha se retirado da mesa e nos deixado a sós. Olhei fixamente nos olhos de Lili tentando decifrar se aquilo era mesmo tudo verdade. Ainda tinha receio no meu coração de acreditar em todas as palavras que Lili tinha dito. Mas era verdade. Lili nunca mentira pra mim, não seria agora sua primeira vez.
- Confesso, Lili, que estou chocado com tantas notícias não muito agradáveis ao meu coração, mas agradeço por ter me ajudado. Ah! Repito: estou feliz por você. – Nesse momento, percebi que o pedido chegara a minha mesa. Tive que me retirar, enquanto J. Pinto Fernandes retornava à mesa. – Foi uma alegria te reencontrar, querida amiga. Fernandes, meu caro, cuide bem dessa moça. Foi um prazer. Espero encontrá-los por aí, casados.
Aquele Filet au poivre foi o pior que já comi na minha vida, não pela qualidade do novo restaurante ou pelo gosto do prato, e sim pela situação que passara minutos antes. Na última garfada, pensei comigo mesmo: “João, você tem que continuar a viver”, e foi isso que fiz.
Pedi a conta, paguei e saí do restaurante. Não sei se devo acreditar em tudo que aconteceu entre eu e Lili naqueles trinta minutos de conversa, mas mesmo nenhum de nós tendo conquistado os respectivos sonhos, uma coisa é certa: lembrarei sempre com carinho dos meus queridos amigos de juventude.



Ps.: Ainda não revisei esse texto à luz da nova ortografia, desde já, perdão. :)

Espero que tenham gostado,
Beijos, Bela Analu

4 comentários:

  1. Narrativas em 3d?! Inovação é isso.. À tempos não leio uma narrativa tão boa que me permitisse visualizar os personagens em suas respectivas ações. Identifiquei-me ligeiramente com o texto, contudo espero um final diferente na minha breve narrativa.. Esse é um belo texto, mesmo 2 anos após sua concepção, não perdeu a cor; Isso que é o charme da literatura, a perpetuação das belas palavras. Ana, Felicitações.

    ResponderExcluir
  2. É como se eu estivesse naquele restaurante numa outra mesa qualquer. Adorei.

    ResponderExcluir
  3. Adorei esse texto. Gosto tanto que o compartilhei em um encontro de mediadores de leitura que participei. Aliás, me saí muito bem na foto. Todos apreciaram a releitura. Parabéns!

    Rosana Pereira

    ResponderExcluir

Obrigada por comentar! Será um prazer ler suas linhas falando sobre as minhas. :)